06 Abril 2022

Manifestação da ISOC Brasil sobre a possível aprovação do PL 2630/2020

Desde 2020, o Congresso Nacional debate o projeto de lei 2630, conhecido como “PL das Fake News”. Proposto sob a justificativa de combate à desinformação, ao buscar instituir uma Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, o PL trata de objetivos muito mais amplos, causando preocupação quanto às implicações sobre o próprio funcionamento da Internet, suas potencialidades e características. 

O Marco Civil da Internet prevê que o poder público deve estabelecer mecanismos de  governança multiparticipativa, democrática, transparente e colaborativa. Esse dever legal não se reflete integralmente na condução do projeto de lei, notadamente se as vozes de diversos segmentos sociais, ouvidas durante as audiências públicas realizadas, não se conformam em efetivo diálogo. Além do atípico funcionamento do Congresso Nacional durante a pandemia, também faltou tempo para o amadurecimento das discussões sobre o texto em si, com análises técnicas, contraposição de argumentos e respostas cuidadosas.

Houve notável esforço em melhorar o texto na Câmara e dedicação em desenvolver um PL tão importante, sensível ao momento crítico pelo qual passa o Brasil. Mas a frequente adição de temas e a sucessão de incontáveis versões (nem sempre protocoladas), desde o Senado, dificultaram substancialmente para vários atores a possibilidade de contribuição efetiva. À luz do funcionamento da Internet, sua operacionalização e aplicações, não se puderam conduzir quaisquer estudos de impacto do que dispõe o PL – que continua a ser alterado, por intuição e por convicção, mas sem abordagens técnicas e científicas.

Na perspectiva tecnológica, ao regular em detalhe três tipos de aplicações de Internet – mensagens instantâneas, redes sociais e mecanismos de busca – o PL se sujeita ao sério risco de uma rápida obsolescência, diante da veloz evolução dos serviços e modelos de negócios online. Juridicamente, ao buscar oferecer soluções para tantas matérias – direito autoral, eleitoral, penal, consumerista e concorrencial – o PL impede avaliar possíveis efeitos para a estrutura global e compartilhada da Internet e tecnologias correlatas.

Ainda, a remuneração por “conteúdo jornalístico” e a imunidade parlamentar ilustram a falta de respaldo em estudos aprofundados e a importação de normas sem uma análise das implicações. Outros temas muito polêmicos tampouco tiveram a devida avaliação, considerando a atual redação (divulgada ao público em 31 de março de 2022): a atribuição de um novo papel ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), o dever de empresas guardarem mais dados, a criação de sanções civis e penais, a parâmetros exigidos de transparência para plataformas digitais e sua equiparação a meios de comunicação. 

Mas o legítimo combate à desinformação tem sido usurpado por disputas situacionistas, que põem em risco um legado de contribuições reconhecidas mundialmente, a exemplo do regime brasileiro de responsabilidade de intermediários previsto no Marco Civil e das disposições do Decálogo de Princípios para a Governança e Uso da Internet, do CGI.br. Mostra-se oportuno avaliar possíveis impactos negativos para o Brasil e o mundo, por meio de instrumentos adequados, tais como os propostos pela Internet Society (ISOC).

Diante da abrangência e complexidade de todas as questões envolvidas, da atipicidade do processo de deliberação, das muitas inseguranças sobre a aplicabilidade prática das propostas, e das incertezas quanto às possíveis repercussões sobre o funcionamento da Internet global, o capítulo brasileiro da ISOC manifesta grande preocupação quanto aos possíveis e diversos efeitos nocivos da aprovação do texto atual do PL 2630/2020.

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