04 Setembro 2024

Nota Pública da ISOC Brasil sobre a decisão que suspendeu o X

Em 30 de agosto de 2024, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou a suspensão das atividades da plataforma X (antigo Twitter) no Brasil. Além da suspensão das atividades, o ministro também determinou a aplicação de multa de R$ 50.000,00 para pessoas físicas ou jurídicas que acessem o X através de VPN. O ministro também havia decidido que as lojas digitais não deveriam permitir que aplicativos de VPN fossem baixados por usuários, mas essa decisão foi revogada no mesmo dia. 

Esta decisão ocorreu após uma série de incidentes ao longo dos últimos meses, em uma escalada de ações para efetivar o cumprimento da lei brasileira. Inicialmente, o ministro Moraes ordenou a remoção de conteúdos e o bloqueio de contas no X, no contexto de uma ação judicial relativa a ataques à democracia, mas o X não atendeu às solicitações. A empresa continuou ignorando as ordens judiciais, tendo sido multada sucessivas vezes por esse descumprimento. Além disso, o dono da referida plataforma, Elon Musk, intencionalmente divulgou informações que incitavam a violência e o ódio. Diante de uma ameaça de prisão dos responsáveis pela empresa, em função do descumprimento das ordens judiciais, a empresa decidiu fechar seu escritório no país.

Nesse sentido, a decisão de suspensão das atividades do X no país se baseou na compreensão de que o Código Civil, lido de maneira conjunta ao  Marco Civil da Internet, exige que empresas de Internet, atuando no país, tenham um representante legal com poderes para cumprir as leis e atender às ordens judiciais. Assim, a falta de um representante no país e a desobediência reiterada ao Judiciário foram utilizadas como justificativas para a suspensão. Por outro lado, o Ministro também argumentou que a decisão busca proteger a democracia brasileira e garantir a aplicação das leis no país, uma vez que a empresa X, ao se recusar a cumprir as ordens judiciais e agir de forma irresponsável, coloca em risco a estabilidade política e social. 

A decisão de suspensão do X, em caráter liminar, durará até que a empresa siga as ordens do Tribunal e pague as multas, e também até que ela providencie um representante legal no país. Além disso, de acordo com a decisão, o STF teria dado várias chances para a empresa X resolver a situação e cumprir as decisões, o que não foi feito, o que justificaria a suspensão como última alternativa. 

No dia 2 de setembro de 2024, a Primeira Turma do STF se manifestou de forma unânime no sentido de manter a suspensão ao X. O voto do Ministro Alexandre de Morais foi seguido pelos Ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia. O Ministro Luiz Fux, por sua vez, se manifestou a favor, mas apresentou ressalvas no que tange a multa de R$ 50 mil a pessoas físicas e jurídicas que utilizarem ferramentas como VPN para acessar a plataforma. De acordo com o Ministro Fux, a decisão não pode atingir "pessoas naturais e jurídicas indiscriminadas e que não tenham participado do processo, em obediência aos cânones do devido processo legal e do contraditório". Os demais juízes apoiaram também essa determinação de proibição do acesso ao X através de VPN.

A decisão do STF envolve argumentos sobre a garantia da soberania digital brasileira, com foco na aplicação e efetivo cumprimento da legislação nacional. Alguns desses debates podem ser observados no relatório do projeto “Soberania digital: para quê e para quem? Análise conceitual e política do conceito a partir do contexto brasileiro”, produzido a partir da parceria da ISOC Brasil com o CEPI FGV Direito SP. O tema que, neste momento está com destacado protagonismo do Judiciário, vinha sendo discutido na seara do Legislativo, em uma discussão mais ampla,  através do PL nº 2630, o chamado "PL das Fake News". Esse projeto encontra-se atualmente em um processo de rediscussão pelo Legislativo, tendo sido analisado pela ISOC Brasil em um Internet Impact Brief (IIB), que destacou os pontos positivos e os riscos da referida legislação para os habilitadores que contribuem para que se alcance uma Internet segura, aberta, globalmente conectada e confiável.

A ISOC Brasil reconhece que existe sim necessidade de se combater a desinformação e proteger a democracia. Contudo, é crucial avaliar criticamente as consequências de medidas como o bloqueio completo de serviços que, afora alguns usuários envolvidos em comportamentos criminosos, são utilizados pela sociedade para grande variedade de fins legítimos, e a multa ao uso das VPNs, que podem restringir a liberdade de expressão e o acesso à informação e a serviços, comprometendo o próprio objetivo de combate à desinformação. A necessidade de um diálogo aberto e de uma análise mais aprofundada sobre os impactos das decisões judiciais em relação à Internet é fundamental para garantir a proteção dos direitos individuais e a preservação da própria Internet como um espaço seguro, aberto, globalmente conectado e confiável. 

Nesse contexto, a restrição ao acesso à informação e a serviços através de ferramentas como VPNs, especialmente quando feita de forma ampla ou com níveis elevados de indeterminação quanto ao seu objeto, pode afetar a liberdade de expressão e dificultar o acesso à informação e a serviços para grupos diversos de pessoas, sob diferentes razões. É importante garantir que as decisões judiciais não levem à restrição desproporcional da liberdade de expressão e do acesso a recursos na Internet.

Portanto, a ISOC Brasil reforça a necessidade da defesa da aplicabilidade da lei brasileira e  do combate à desinformação e ao discurso de ataque às instituições democráticas. Porém, expressa  preocupação na adoção de modalidades de tutela jurídica que só deveriam ser aplicadas como último recurso, evitando, sempre que possível, afetar direitos de terceiros ou sanções que vão além do que é necessário e proporcional para se atingir determinada finalidade. Para verificar esses aspectos, a Internet Society oferece um conjunto de ferramentas para elaborar uma análise de impacto sobre propriedades e valores fundamentais da Internet, com fundamento no Modo Internet de Interconectividade, que se aplica não só a medidas do Legislativo ou do Executivo, mas também do Judiciário.