12 Outubro 2023

Sociedade Civil Global: Declaração sobre o compartilhamento de custos

As entidades e indivíduos abaixo assinados expressam a grave preocupação sobre a tendência internacional de introdução de mecanismo de pagamentos diretos (“compartilhamento de custos”, “network contribution”, “network fee”, “fair share”) dos fornecedores de conteúdos e aplicações (CAPS) para operadores de telecomunicações de todo o mundo.

Na Europa, essas discussões avançaram ao longo do último ano, e um conjunto de partes interessadas, representando diversos setores e interesses, rejeitaram a proposta de compartilhamento de custos devido ao receio sobre a livre concorrência, a pluralidade dos meios de comunicação social, a proteção ao consumidor, o fomento à inovação e a qualidade do serviço; e as preocupações adicionais foram expressadas sobre a forma como a implementação dessa ideia viola o princípio da neutralidade da rede e o seu efeito prejudicial para uma Internet aberta e global.

 

Na verdade, um mecanismo de compartilhamento de custos que represente compensação monetária direta ou indireta aos operadores de telecomunicações com base nos fluxos de tráfego de interconexão, tem um efeito imediato e abrangente sobre os usuários e os mercados digitais6. Isso representa, em especial, um impacto negativo para a liberdade de escolha dos consumidores e para os preços de serviços online. De acordo com uma avaliação independente8, essa ideia resultaria em um ambiente jurídico imprevisível e inconsistente, além de gerar uma significativa carga administrativa, hostil à Internet aberta, ao fomento ao investimento e à inovação.
Assim, unimos forças para requerer que governos de todo o mundo se abstenham de adotar o compartilhamento de custos, uma medida tão contraproducente e perigosa.

Atualmente, não há evidências, em parte alguma do mundo, de falha de mercado de interconexão. Ao longo da última década, vários reguladores estudaram os mercados de interconexão e não encontraram qualquer evidência de uma falha de mercado que justificasse uma intervenção regulatória baseada no compartilhamento de custos. Como afirmou o BEREC, o Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações Eletrónicas: “[. ..] a Internet provou a sua capacidade de lidar com volumes de tráfego crescentes, mudanças nos padrões de buscas, tecnologias, e modelos de negócio, bem como no poder de mercado (relativo) entre os atores do mercado. Estes desenvolvimentos refletem-se nos mecanismos de interligação de IP que regem a Internet, os quais evoluíram sem necessidade de intervenção regulatória”. Ao mesmo tempo, um conjunto diversificado de atores da camada de aplicação da Internet, incluindo os CAPs, tem investido de forma expressiva em redes de banda larga, reforçando que o financiamento da infraestrutura de rede é um empreendimento complexo.

Além disso, de acordo com a OCDE, “desde que a Internet foi comercializada no início da década de 1990, ela desenvolveu um mercado eficiente de conectividade baseado em acordos contratuais voluntários. Operando num ambiente altamente competitivo, em grande parte sem regulamentação ou organização central, o modelo de troca de tráfego da Internet produziu preços baixos, promoveu a eficiência e a inovação e atraiu o investimento necessário para acompanhar o ritmo da procura”. 

Não há dúvida de que um regime de compartilhamento de custos acabará por prejudicar os consumidores, os seus direitos, a sua capacidade de conexão à Internet e a melhor escolha do conteúdo a consumir. Na Coreia do Sul, por exemplo, o único país que implementou em termos jurídicos tal regime, os resultados foram preços elevados, um mercado de interconexão com falhas e um efeito adverso sobre o investimento na rede13. Além disso, na Europa, diversos stakeholders e atores interessados manifestaram a sua oposição à proposta, incluindo as maiores associações da UE representantes dos organismos de radiodifusão privados e públicos, que demonstraram preocupação com a pluralidade dos meios de comunicação social; entre os atores envolvidos, incluem-se a Sports Rights Owner Coalition, a Motion Picture Association e a Wikimedia Europe.

Gostaríamos também de salientar como tais propostas exacerbam preocupações globais com o acesso à Internet, que continuam a persistir apesar da recente pandemia de COVID-19, a qual levou as pessoas a ficarem mais tempo online e demonstrou o papel da Internet nas sociedades atuais.

Dadas as evidências existentes e a esmagadora reação negativa desta proposta na Europa, demonstramos nossa extrema preocupação com o tsunamide políticas surgidas em todo o mundo baseado na ideia desinformada e perigosa da Comissão Europeia sobre compartilhamento de custos.

Segundo relatos, as empresas de telecomunicações da Índia estão indicando a política de “fair share” da União Europeia como uma razão para o governo local intervir desnecessariamente no mercado. O mesmo se passa no Brasil. Para ser claro, a maioria dos governos da UE opõe-se a estes planos e os principais países do bloco apelaram à Comissão Europeia para aderir a seu próprio processo de devido controle, como a exigência de publicação de avaliação de impacto regulatório ou levar em consideração as opiniões das partes interessadas, antes que qualquer novo projeto de lei sobre compartilhamento de custos seja proposto. Embora Thierry Breton, o antigo CEO da France Telecom e atual Comissário da UE para o Mercado Interno Europeu, tenha dado a impressão de que a UE irá estabelecer o compartilhamento de custos, outros líderes mundiais devem ser cautelosos ao seguir o seu exemplo.

Para concluir, o debate sobre o compartilhamento de custos não tem a ver com as grandes empresas de tecnologias, nem com investimento em infraestruturas. Pelo contrário: trata-se de reposicionar os operadores de telecomunicações como gatekeepers, permitindo a estes exigir pagamento a qualquer provedor de conteúdo que queira chegar aos seus clientes. Além disso, não importando o esforço das operadoras de telecomunicações para distorcer a argumentação, trata-se de violação à neutralidade da rede e aos direitos dos usuários. Em resumo, este modelo de negócio “da era da telefonia” representa uma mudança radical no funcionamento da Internet global, com poder de fragmentá-la.

À luz de tudo isto, pedimos aos tomadores de decisão sobre políticas públicas e aos governos de todo o mundo que se oponham à imposição de obrigações de pagamentos diretos ou indiretos, a título de compartilhamento de custos, em benefício de apenas um punhado de operadores de telecomunicações. O sistema atual funciona, e já provou sua resiliência e capacidade de evoluir juntamente com a Internet.

APOIADORES

Organizações da Sociedade Civil

  • ABRINT - Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações, Brazil

  • Centre for Internet and Society, India Derechos Digitales, Chile

  • Digital Medusa, New York

  • EDRI, Belgium

  • Electronic Frontier Foundation (EFF), United States

  • Epicenter.works, Austria

  • Hermes Center, Italy

  • Homo Digitalis, Greece

  • Instituto Nupef, Brazil

  • ITS - Instituto de Tecnologia e Sociedade, Brazil

  • Internet Freedom Foundation, India

  • IPANDETEC, Panama

  • ISOC Brazil, the Brazilian Chapter of the Internet Society

  • IT-Pol, Denmark

  • Open Rights Group, United Kingdom

  • OpenNet, S. Korea CDT, United States

  • Politiscope, Croatia

  • SUPERRR Lab, Germany

  • The Internet Society

  • The Lisbon Council, Belgium

  • Wikimedia Deutschland, Germany

 

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