25 Maio 2021

Três novas redes comunitárias estão ajudando a proteger comunidades rurais no Brasil

O texto original (em inglês) pode ser lido no portal da Internet Society Foundation.

Nas periferias da Amazônia, no nordeste do Brasil, muitas comunidades vivem com medo de ataques de invasores que derrubam e queimam a floresta para abrir caminho para a mineração ilegal, criações de gado e plantações de soja.

Esta também é uma das regiões mais pobres do país e os baixos potenciais de lucro deixaram a maioria das comunidades sem acesso à Internet. De acordo com uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os brasileiros que vivem em áreas rurais têm muito mais probabilidade de estar offline do que aqueles em áreas urbanas (53,5% contra 20,6%, respectivamente). No norte do Brasil, a lacuna é maior, com 67,4% dos entrevistados rurais offline contra apenas 32,6% com acesso à Internet.

“Essas são comunidades muito marginalizadas que têm muitos problemas para lutar para sobreviver depois que grandes latifundiários tomaram suas terras. O acesso à Internet é, para eles, uma questão de sobrevivência… para a sua sobrevivência física, pois ainda têm de se defender dos ataques; por sua sobrevivência como comunidade cultural independente; e para sua sobrevivência econômica. Até a possibilidade de vender seus produtos pela Internet permite que fiquem em suas comunidades e não busquem trabalho nas grandes cidades ”. - Flávio Rech Wagner, presidente do Capítulo Brasileiro da Internet Society e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

 

Para enfrentar esses desafios, em 2018, o Capítulo Brasileiro da Internet Society ganhou um apoio financeiro no valor de US$ 30.000 por meio do programa Beyond the Net Large da Internet Society Foundation, com dois anos de duração, para construir e expandir redes comunitárias em três comunidades indígenas e quilombolas no estado do Maranhão. O projeto foi executado pelo Instituto de Pesquisas, Estudos e Capacitação (Nupef) em parceria com o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu.

“O Instituto Nupef já tinha um programa muito robusto de implantação de redes comunitárias em comunidades não conectadas na região amazônica e eles souberam por meio do Capítulo Brasileiro da Internet Society a respeito do programa Beyond the Net. Ficamos felizes em pedir a eles que preparassem uma proposta para submeter ao edital, pois, na visão do Capítulo, sua abordagem estava em total conformidade com a estratégia do ISOC para redes comunitárias ”, explicou Wagner.

O Nupef constrói as redes lado a lado com os residentes, instalando roteadores de rádio wi-fi e oferecendo treinamento para que a comunidade mantenha a rede funcionando. O acesso à Internet vem por meio de um sinal de satélite que é distribuído pelos roteadores em um território maior. O Nupef cobre todos os custos e manutenção entre os primeiros seis meses e um ano.

“Organizamos um diálogo com as comunidades-alvo para avaliar suas necessidades, gerenciar expectativas, definir locais prioritários para infraestrutura e descobrir como sustentar os custos da rede após o final do projeto.”- Oona Castro, Diretora de Desenvolvimento Institucional do Nupef.

As três redes comunitárias implantadas - em Taquaritiua, Pifeiros e Penalva - oferecem agora um acesso à Internet que atinge, em conjunto, cerca de 500 pessoas.

Taquaritiua

Vila Nova é uma pequena aldeia (população de 80 habitantes) na comunidade de Taquaritiua, localizada na Terra Indígena Gamela. Antes de obter sua rede em março de 2019, os moradores não tinham acesso à Internet.

Em Taquaritiua, a comunidade ajuda a planejar a localização dos roteadores. Foto: Nupef

“Vivemos um pouco distantes um do outro em nossa comunidade, mas agora podemos usar a Internet para organizar reuniões ou discutir coisas sem estarmos juntos”, diz Rosa dos Santos Costa, moradora de 59 anos e quebradeira de coco babaçu, acrescentando que a Internet permite que eles recebam pedidos via WhatsApp. “Seria impossível vender nossos produtos durante esta pandemia, então a Internet realmente foi nossa salvação!”

A Internet também está ajudando a proteger a comunidade ao permitir que os moradores alertem o Ministério Público sobre incêndios ocorridos em seu território. Costa chega a creditar a Internet por ajudar a comunidade a se mobilizar rapidamente para alertar os vizinhos e entrar em contato com a polícia depois que um intruso arrombou uma casa. Costa diz que esperava que a Internet melhorasse os negócios e a segurança, mas houve benefícios inesperados relacionados à pandemia - como permitir que os jovens estudem online, mobilizar os povos indígenas para se vacinarem e coordenar a costura e distribuição de máscaras faciais para a comunidade.

Pifeiros

Pifeiros (população de 100 habitantes), inicialmente recebeu uma rede de área local depois que o Nupef descobriu que o provedor de serviços de Internet local que planejavam usar não cobria a área.

“Falamos com a comunidade e eles decidiram que queriam uma rede offline local de qualquer maneira, com a esperança de se conectar à Internet mais tarde”, explica Castro. “Então, configuramos um Wiki offline, mensagem e voz sobre IP, e o lançamos em outubro de 2019. No começo, eles gostaram muito, mas no início de 2020, eles estavam ansiosos para obter acesso total à Internet.”

O Nupef acabou encontrando um provedor de Internet via satélite. Em seguida, a pandemia começou e a Fundação Nacional do Índio – FUNAI suspendeu a entrada nas comunidades indígenas em março, para evitar a propagação da COVID-19.

Quando as restrições de entrada foram brevemente suspensas, em outubro de 2020, o Nupef voltou a Pifeiros para estabelecer sua conexão à Internet, que estava instalada e funcionando em dezembro.

Genival Ferreira Brito (extrema esquerda), observa os alunos participarem de oficinas de produção de conteúdo em Pifeiros. Foto: Nupef

“A maioria dos nossos problemas foi resolvida pela Internet!” saúda o morador Genival Ferreira Brito, de 45 anos. “Antes, passávamos um dia inteiro tentando vender nosso óleo. Agora, tudo o que precisamos é de uma ligação ou mensagem ... e fomos capazes de conhecer e cumprir as restrições. ”

O Nupef também treina a comunidade para produzir conteúdo cultural e educacional local que pode ser acessado localmente, para reduzir o consumo de banda larga. Eles produzem fotografias, gravação e edição de áudio e vídeo, bem como abordam questões de privacidade e segurança online.

Penalva

O quilombo de Penalva (população de 1.000 habitantes) conseguiu sua rede comunitária no âmbito de um projeto em 2017 do Nupef. A concessão de 2018–2020 permitiu que ele se expandisse em quatro nós, dobrando seu alcance, velocidade e limite de dados. A rede comunitária agora atinge o dobro de usuários - pelo menos 300 pessoas.

“É uma forma de proteger nossos líderes de ameaças. Com a Internet, podemos denunciar crimes a qualquer hora” - Geovania Machado Aires, educadora, assistente de projetos e administradora da rede comunitária Penalva.

Moradores de Penalva aprendem sobre as conexões wi-fi com técnicos. Foto: Paulo Duarte / Nupef

De acordo com alguns relatórios, as redes comunitárias também economizaram tempo e dinheiro dos residentes, permitindo-lhes declarar impostos, solicitar subsídios agrícolas ou comerciais e enviar documentos de trabalho online. Antes, eles passavam um dia inteiro viajando para a cidade de Pinheiro - de moto, barco ou a cavalo - onde pagavam de 180 a 300 reais por documento. Agora, pessoas de 50 pequenas comunidades vêm a Penalva para registrar documentos online gratuitamente.

O acesso à Internet também ajudou na preservação cultural, afirma Aires, elogiando as oficinas de produção de conteúdo. Eles até organizaram um concurso de vídeo para jovens mostrarem sua língua, cultura e criatividade.

"Foi uma experiência fantástica; um momento de aprendizagem”, afirma Aires. “Agora nosso objetivo é avançar com mais equipamentos e conexões para que outras comunidades tenham acesso.”