21 Agosto 2019

Ecossistema de Governança da Internet

Esse é a primeira postagem da nossa série. A autora dessa postagem é a Nathalia Sautchuk Patrício, membro da ISOC Brasil, atualmente no Comitê Fiscal do capítulo. Há um vídeo, tratando do tópico e a seguir um pequeno texto.

Quando se fala em Governança é muito comum a confusão desse termo com a ideia de Governo. Tendo isso em vista, um primeiro esclarecimento que deve ser feito é a diferença entre ambos. O Governo sugere um conjunto de atividades sustentadas por uma autoridade formal e com poder de implementar decisões tomadas em determinado contexto político-institucional. Já a Governança está mais relacionada a atividades apoiadas em objetivos comuns, que podem ou não derivar de responsabilidades formais, porém não dependem do exercício de poder coercitivo para serem aceitas, abrangendo também um conjunto de decisões tomadas por atores não governamentais.

Historicamente, a ausência de foro ou mecanismo formal no plano internacional para a tomada de decisão sobre temas relacionados ao funcionamento da Internet e aos conflitos oriundos do seu uso pela sociedade criou um vácuo de atuação das estruturas tradicionais de poder. Este vácuo viria a ser preenchido pela ação de diversos atores, sem a exclusão dos governos, em processos com tal grau de coordenação que têm permitido o funcionamento contínuo da Internet e sua expansão em escala global, criando assim todo um ecossistema de Governança da Internet. De uma maneira mais formal, pode-se dizer que a governança da Internet é o desenvolvimento e a execução pelos Governos, sociedade civil e iniciativa privada, em seus respectivos papéis, de princípios, normas, regras, procedimentos decisórios e programas compartilhados que delineiam a evolução e o uso da Internet. Uma prática importante adotada nesse campo é o multissetorialismo (ou multistakeholderism), através da qual há a realização de discussões em pé de igualdade com diferentes partes interessadas, visando a tomada de decisão e a construção de políticas públicas para a evolução da Internet em benefício da sociedade.

Didaticamente falando, há duas abordagens que podem ser pensadas de forma a agregar os diversos assuntos e processos que fazem parte da Governança da Internet. A primeira seria a governança dos recursos críticos da Internet, que abrange a alocação de números e nomes; e a definição de padrões e protocolos abertos essenciais ao seu funcionamento. Já a segunda abordagem é uma visão ampliada do que é a governança da Internet, incluindo questões como a elaboração de políticas públicas, impactos sociotécnicos do uso da Internet, aspectos econômicos, entre outros.

O foro de debate em relação a alocação de números é conhecido historicamente como IANA (Internet Assigned Numbers Authority), apesar de seu nome atual ser PTI (Public Technical Identifiers). O PTI é o ente responsável pela distribuição dos endereços IP e dos números de sistemas autônomos (ASN) aos RIRs, que são os registros regionais. Alguns países contam com a figura dos NIRs, que são os registros nacionais, como é o caso do Brasil. Já em relação a parte de nomes, a ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers) é a responsável pela coordenação dos nomes de domínios, manutenção dos servidores raiz do DNS (Domain Name System), além de dar suporte às atividades do PTI.

Para a definição de padrões e protocolos abertos para a Internet, existe um grupo específico, conhecido como IETF (Internet Engineering Task Force), que é responsável pela padronização de protocolos como o IP e o TCP. Há também o W3C, que é um consórcio internacional de empresas, órgãos governamentais e outras entidades, que trabalham junto ao público para desenvolver padrões especificamente para a Web, como é o caso do HTML. Esses fóruns desenvolvem padrões abertos que podem ser adotados voluntariamente pela comunidade e pelas empresas de tecnologia, sem a necessidade do pagamento de royalties.

Sob um ponto de vista ampliado da governança da Internet, o foro mais importante é o IGF (Internet Governance Forum), que é organizado sob os auspícios da ONU e tem como objetivo a discussão de todos os aspectos pertinentes à Governança da Internet. Alinhado com o debate internacional e como forma de ampliá-lo a um público maior, vem crescendo nos últimos anos o movimento dos NRIs (National and Regional IGFs). Na região da América Latina e Caribe, há o LACIGF (Latin America and Caribbean IGF), que é um IGF regional que já está em sua 12ª edição. O Brasil é o país com o IGF nacional mais antigo na região LAC, estando em seu 9ª ano.

Apesar de todo esse ecossistema complexo de Governança da Internet, ainda há muitos desafios a serem enfrentados e aos quais não se tem respostas definitivas. Na vertente técnica, dois desafios bastante presentes são a questão do esgotamento do IPv4 e a segurança na Internet. Como uma das decorrências da questão da (in)segurança da informação na Internet e a dificuldade de garantir a proteção de dados pessoais dos usuários, há novas legislações, como a GDPR e a LGPD, que trazem desafios para sua efetiva implementação e fiscalização. Ainda, pode-se levantar questões jurisdicionais e econômicas como pontos em busca de uma maior pacificação.

Caso você se interesse por esses temas e pelas discussões que ocorrem no Brasil e no mundo fica a convite para que se inscreva no capítulo brasileiro da ISOC e acompanhe os debates ocorridos em nossos eventos e pela lista de e-mail!